quinta-feira, 21 de novembro
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Sola Scriptura

Em 1546, o Concílio de Trento, uma assembleia Católica Romana que se reuniu logo após a morte de Martinho Lutero, promulgou dois decretos a respeito da Escritura Sagrada. O primeiro decreto amaldiçoou aqueles que não aceitavam as Escrituras. Também amaldiçoou aqueles que “deliberadamente condenam” tradições da igreja. O segundo decreto proibiu leituras distorcidas da “Escritura Sagrada” em questões doutrinárias ou morais. O concílio também condenou interpretações da “Escritura Sagrada contrárias à […] santa Igreja mãe” ou “contrárias ao consentimento unânime dos padres”, e explicou que a tarefa da igreja é “julgar o verdadeiro sentido e interpretação das sagradas Escrituras”.

Os dois decretos estão repletos de cláusulas complicadas e frases estranhas. Há uma razão para isso: os bispos no concílio discordavam sobre o relacionamento entre a Escritura e as tradições da igreja usadas para interpretar a Escritura, e eles discutiam como chegar a uma forma de consenso. Dos que estavam dispostos a votar sobre o assunto, trinta e três membros pensavam que Escritura e tradição são iguais em autoridade; onze pensavam que eram similares, mas não iguais em autoridade; e três pensavam que o concílio deveria exigir apenas que as tradições fossem respeitadas. A linguagem de igual autoridade da Escritura e tradição foi descartada.

Em outro consenso, o concílio fez ainda outra distinção: trinta e oito membros quiseram que o concílio condenasse aqueles que não aceitavam nem as Escrituras nem a tradição. Mas trinta e três membros quiseram uma posição mais leve. Eles estavam dispostos a condenar aqueles que não aceitavam a Escritura, mas a respeito da tradição, os bispos apenas condenariam pessoas que conscientemente condenavam as tradições da igreja. Aqui o grupo minoritário venceu a votação, já que o grupo majoritário não estava disposto a ignorar a preocupação de seus colegas.

Eu conto essa história porque é surpreendente ouvir que qualquer membro do Concílio de Trento fez considerações que qualquer reformador poderia afirmar (e que eu acho que todo cristão protestante deve afirmar). Afinal, todo reformador concordaria que as Escrituras não devem ser manipuladas para dizer o que queremos. Os reformadores também concordariam com a pequena minoria de eleitores do Concílio de Trento: as tradições da igreja — certamente os escritos e práticas primitivas da igreja — merecem respeito. Sim, houveram falsos mestres na história da igreja. Mas também há uma história de ensino proveitoso na igreja que afirma e sustenta o ensino da Escritura. Há muito a aprender com aqueles que vieram antes de nós.

Acontece que os reformadores perceberam que a imaginação dos católicos romanos de um “consentimento unânime” entre os mestres cristãos dos primeiros séculos da igreja não tinha qualquer base na realidade. Na verdade, a Confissão de Augsburgo (1530), a mais importante declaração de teologia luterana primitiva, destaca divergências dentro da própria tradição romana, incluindo contrastes entre ensinos da igreja e ensinos de pais da igreja proeminentes. Contudo, que os ensinos dos pais da igreja são importantes era óbvio a todos. Como autoridade final, a Escritura, sendo a Palavra de Deus, permanece a única. No entanto, pessoas sábias não leem as Escrituras sozinhos, mas com outros, incluindo aqueles que vieram antes de nós.

Também destaco essa história porque o concílio chegou a outras conclusões que nenhum reformador poderia aceitar (e nenhum cristão protestante deve aceitar). Sobretudo, os reformadores não podiam aceitar que é tarefa da igreja “julgar […] o verdadeiro sentido e interpretação” da Bíblia. Colocar tal autoridade nas mãos da igreja seria colocar a igreja acima da Bíblia, ao invés da Bíblia acima da igreja. Insistir que esse tipo de interpretação é necessário foi o mesmo que declarar que a Bíblia não é clara em si própria.

Toda a história da igreja protestante — vista nas centenas de confissões e catecismos produzidos tanto por luteranos quanto por reformados — testemunha o poder e a utilidade das Escrituras, e chama as igrejas a se reformarem de acordo com as Escrituras. Essas confissões ocasionalmente citam autores importantes na história da igreja.

Escritores protestantes fizeram isso com frequência. Mas eles entendiam que somente a Escritura carrega as marcas de necessidade, suficiência, autoridade final e clareza em todas as questões relativas à salvação. Por fim, a relevância, a utilidade, a veracidade e a persuasão de qualquer outro texto devem ser medidas pela Escritura somente.

Em 1646, a Assembleia de Westminster, ao final da longa Reforma Inglesa, declarou:

“O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando nas Escrituras.” (Confissão de Fé de Westminster, Capítulo I, Parágrafo X)

Isso foi apenas para registrar a exata atitude dos próprios autores da Escritura, que provaram muitos de seus argumentos com um “assim diz o Senhor”, seguido de uma citação da Escritura. Devemos nós ter respeito pelos decretos de concílios, grande consideração pelos autores antigos e devido interesse no ensino de outros homens? Sim. Como um homem sábio observou no passado, muitos problemas na igreja seriam evitados se os cristãos ouvissem não apenas o que pensamos que o Espírito Santo está nos ensinando, mas também o que ele pode ter ensinado a outros. No entanto, nenhuma dessas fontes de conhecimento e sabedoria — ainda mais as declarações de papas — pode subir ao nível de autoridade da Palavra do próprio Deus. Essa deve ser nossa posição.

Então, há “controvérsias religiosas” que precisam ser resolvidas? Então há apenas um padrão que é necessário para usarmos, uma corte a que todo cristão e toda a igreja deve apelar. Há “decretos de concílios” que precisam ser avaliados? Então há apenas um cânon pelo qual tais concílios e seus decretos podem, com autoridade, ser considerados certos ou errados. Você ou seus amigos encontraram importantes “opiniões de antigos autores”? Então há apenas uma balança na qual elas podem ser pesadas. Encontramos “doutrinas dos homens” em conversas, leituras e pregações? Há apenas uma luz pela qual podem ser examinadas. Há “espíritos particulares” ou opiniões pessoais na igreja? Há apenas uma maneira pela qual devem ser julgados. Há apenas uma “sentença” na qual “nos devemos firmar.” E que “não pode ser outro, senão o Espírito Santo falando nas Escrituras”.

Publicado originalmente em Ligonier Ministries.

Tradução: Alex Motta. Revisão: Renan A. Monteiro.


Autor: Equipe Ministério Fiel

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