domingo, 24 de novembro
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O Grande Escape

O trecho abaixo foi extraído com permissão do livro R.C. Sproul: A Biografia, de Stephen J. Nichols, Editora Fiel

A última sentença do último sermão de R. C. Sproul revela o seu coração

R.C. Sproul andava de um lado para outro e berrava quando pregava. Mas, perto do final de sua vida, ele precisava sentar-se em uma banqueta giratória. Dependia de seu oxigênio portátil, que o acompanhava em todo lugar. Ele lutava com os efeitos da DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica). Muito tempo atrás, ele havia sacrificado seus joelhos para os esportes. Os anos, mas em especial os quilômetros, desgastaram-no. Aos setenta e oito anos, porém, ele ainda aparecia para o trabalho. Quando subia ao púlpito, o atleta que ele fora se manifestava. Cheio de paixão, a sua face de jogo aparecia. A banqueta girava. Ele agarrava nas bordas do púlpito, se movia para frente e se inclinava em direção à congregação. De alguma maneira, ele ainda conseguia andar compassado enquanto pregava. De algum modo, sua voz achava força. Ele ainda berrava. Por trinta minutos, ele era de novo aquele quarterback amador, fazendo jogadas. Estava na parte final da partida de golfe, e as bolas, à sua mercê.

Sua perspicácia — de onde vinha? — dispensava, liberalmente, sabedoria e humor. Era o que o povo, com o passar dos anos, se acostumara a ouvir dele. Ele fazia parecer tão fácil. Sem esforço. Sem anotações, ele podia pregar um sermão sobre qualquer texto ou dar uma palestra sobre pontos de vista epistemológicos dos filósofos modernos. Se diante de uma multidão de milhares de pessoas, se ao redor de uma mesa de jantar, você simplesmente queria ouvi-lo. Queria ver o sorriso dele, brincalhão, tão amplo quanto o céu. Queria ouvir o que ele tinha a dizer.

Dizem que os fundistas à moda antiga da Universidade de Cambridge nunca eram vistos em treinamento. Não apareciam cedo para uma corrida e não faziam todos os rituais de alongamento e aquecimento como os demais. Eram casuais. Apenas caminhavam para o estádio, se posicionavam na linha e esperavam pelo tiro de partida. Depois, começavam a correr: pura beleza em movimento. Faziam a corrida parecer tão sem esforços. É como uma violinista de concerto tomando o seu lugar em um palco vazio. Calma e serena, à medida que posiciona o violino, prepara o arco e prossegue. Perfeição. E tudo parece tão sem esforço. Mas o atleta, o músico, o pregador — todos eles sabem o que está por trás das aparências. O trabalho, a disciplina, o aprimoramento constante da habilidade. É proficiência.

R.C. era um comunicador. Não somente sabia o que dizer; sabia como dizê-lo. Precisão, paixão, poder. Nesse domingo específico, seu texto era Hebreus 2.1-4. Ele chamou o seu sermão de “Uma Grande Salvação”. Poderia tê-lo chamado de “O Grande Escape”.

R.C. sempre dissera aos seus alunos de homilética: “Ache o drama no texto. Depois, pregue o drama.” Ele achou o drama em Hebreus 2.1-4. “Como escaparemos nós?” Quando pensamos em escape, R.C. disse, pensamos em aprisionamento, pensamos em uma fuga da prisão. R.C. transportava a congregação da Saint Andrews Chapel para “a mais terrível de todas as prisões da França, o Castelo de If”, e para as páginas de seu segundo romance mais favorito, O Conde de Monte Cristo – a angustiante história de Edmond Dantes, incriminado falsamente e lançado na prisão temível. Edmond Dantes fizera o impossível: escapara da prisão inescapável.

No entanto, há uma prisão muito mais temível do que o Castelo de If. “Não se pode escavá-la. Não é possível escalar seus muros. Nenhum guarda pode ser subornado. A sentença não pode ser amenizada ou comutada.” Não há escape do inferno — exceto pela salvação, a grande salvação em Cristo. R.C. ecoou o apelo do autor de Hebreus: “Não negligencieis tão grande salvação” (Hb 2.3). Ele disse certa vez que isto o deixava acordado à noite: podia haver cristãos professos e não verdadeiros na congregação de Saint Andrew. O zelo de proclamar a santidade de Deus e o evangelho de Cristo motivava-o a dedicar sua vida a ensinar, pregar, viajar e escrever. Mantinha-o servindo mesmo na parte final dos seus setenta anos e apesar do preço que todos os quilômetros haviam cobrado. Ele orava e labutava por um avivamento.

Ao final do sermão, R.C. havia levado a congregação, consigo, a um momento solene. Foi um momento sagrado. Não houve humor nem hilaridade quando esse sermão específico chegou ao final. Era zelo e paixão. R.C. estava comunicando a verdade mais importante, a verdade do evangelho. Apelou que ninguém que estivesse ouvindo o som de sua voz negligenciasse tão grande salvação. Foi inconfundível.

Ao terminar o sermão, esta foi a última sentença: “Portanto, eu oro de todo o coração que Deus desperte cada um de nós hoje para a doçura, a amabilidade e a glória do evangelho declarado por Cristo.”

Essa última sentença de seu último sermão revela o seu coração, sua paixão. Doçura é uma palavra que ele aprendera de Jonathan Edwards, que, por sua vez, aprendera de Calvino, que, por sua vez, aprendera de Agostinho, que, por sua vez, aprendera do salmista. Podemos ler sobre quão doce é o mel. Podemos ouvir sobre a experiência de outros que provaram o mel. Ou podemos prová-lo nós mesmos. Doçura é a apreensão da verdade.

Amabilidade é aquela categoria de beleza frequentemente esquecida. R.C. comentava, muitas vezes, que, embora contendamos pela verdade e lutemos pela bondade, muito frequentemente negligenciamos a beleza. Deus é um Deus de beleza. A palavra, beleza, transborda nas páginas da Escritura. Isso era suficiente para R.C. querer buscá-la, desejá-la.

Glória é aquela palavra incompreensível que representa a luminosidade transcendente e pura. Faz parte do escopo de palavras que se ouve usualmente de R.C. — as palavras santidade, esplendor, majestade, refulgência.

Doçura, amabilidade, glória — essas são palavras que descrevem a Deus, Cristo e o evangelho. Têm poder transformador. São palavras sobre as quais uma mente renovada medita. Há também, nessa última sentença do sermão, a palavra despertar. Antes que a mente seja reno- vada, tem de ser despertada. Somos mortos, uma árvore caída que está apodrecendo na floresta. Precisamos de uma “luz sobrenatural e divina”, como Edwards dizia. Ou, como Jesus disse a Pedro: “Não foi carne e sangue que to revelaram.” Não, não, foi “meu Pai, que está nos céus” (Mt 16.17). Jesus declarou Pedro bem-aventurado. A verdade maravilhosa que Jesus diria a alguém, “Bem-aventurado és”, encheu de alegria verdadeira o coração de R.C. Ele queria que todos a experimentassem. E anelava por um avivamento. Foi a última sentença de seu sermão sobre Hebreus 2.1-4.

Depois de proferir essa última sentença, R.C. ofereceu uma oração breve e sincera e, em seguida, um suspiro audível. Deslizou para fora da banqueta, firmou os pés e, com ajuda, começou a descer do púlpito.

R.C. Sproul pregou seu sermão em 26 de novembro de 2017. Na terça-feira, ele teve um resfriado, que começou a piorar diariamente. No sábado, estava com tanta dificuldade para respirar que foi levado ao hospital. E ali permaneceu. Em 14 de dezembro de 2017, quando Vesta e os familiares estavam reunidos no quarto do hospital,

R.C. foi para a doce, amável e gloriosa presença do Senhor.

Sermão final: “Uma Grande Salvação”. Sentença final: “Portanto, eu oro de todo o coração que Deus desperte cada um de nós hoje para a doçura, a amabilidade e a glória do evangelho declarado por Cristo.” Depois, retirou-se de cena. E foi no ano do quingentésimo aniversário da Reforma. Tudo foi pura poesia.

A história da vida de R.C. termina em 2017, na Flórida central, que havia sido a sua residência, ou a sua residência-base, por 33 anos. A história começa em Pittsburgh em 1939. O mundo estava prestes a entrar em guerra.

 

Autor: Stephen J. Nichols. ©️ Ministério Fiel. Website: ministeriofiel.com.br. Todos os direitos reservados. Editor e revisor: Renata Gandolfo.


Autor: Stephen Nichols

O Dr. Stephen Nichols é o presidente do Reformation Bible College, executivo acadêmico chefe do Ministério Ligonier, apresentador do Podcast 5 Minutes in Church History e autor de diversos livros, incluindo For us and our salvation.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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